segunda-feira, 13 de julho de 2015

Elegia do Império; por Dante Camparo

Daniel Radcliffe/Allen Ginsberg - Versos de um Crime

(O que eu era para você?)
 
Korol' Cristóvão morreu nessa madrugada
Ele borbulhou seu crânio no papel
Na fornalha ouviu-se uma gargalhada
Choveu sangue do céu
 
Dezessete anos e fugiu de casa
De manhã, as sete horas da semana errada
Enfiou na mochila uns poemas pra citar
Deixou para trás os pais e a namorada
 
Amar é endividar-se
Com mil e uma drogas
É oferecer a outra face
Num teatro de sinagogas
 
Entorpecentes sem essência
Terapia para miseráveis
A ânsia análoga a decadência
De vastos santos incontestáveis

 Há mil maneiras de vencer uma batalha
Há mil escolhas para se desfrutar
Há mil estilos de se usar uma navalha
Há apenas um para se retratar
 
E agora eu estou afônico
Porque meu amor não foi suficiente
Num relacionamento anacrônico
Não fora plantada uma só semente
 
Não bastou eu amar demais
Para entender a transtornada verdade
Tive que abrir mão de minha paz
Para descobrir o que é saudade
 
(Eu nunca amei você.)
 
Então eu desejei que morresse
Eu ergui-me do meu ataúde
E antes que eu me enfurecesse
Preservei minha saúde
 
Deixei toda aquela imundice para o passado
Fugi da minha terra, abandonei a vadia
Deixei meu erro, no caminho, retratado
Escrevi minha primeira e última elegia
 
Foda-se este território subterrâneo
Foda-se a princesa de tantos pesadelos
Não terei mais nenhum desejo errôneo
Sangue escorreu pelos meus cabelos
 
Então, eu vivo! Vício, virtude, vivo!
Eu não acredito! Não me retrato! Não me importo!
Eu vou em busca de um futuro alternativo,
Onde jamais estarei novamente absorto!

Oh, prometida, você está me ouvindo?
Lutar e não sofrer
Em tragédia, permanecer sorrindo
Fugir daqui, chance de sobreviver
 
Deus olha toda essa bagunça lá em cima
Nas estrelas de uma velha constelação
Todos os loucos param nessa estação
Buscando a quase tão perfeita rima.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Geração Zero; por Dante Camparo

 
 
Todos os nossos companheiros
Riem de nós pelas costas
Enquanto éramos bons marinheiros
As rosas do mar não estavam mortas
 
Todos aqueles que fingimos gostar
Cada um que amamos, nós abandonamos
E não há motivo para querer voltar
Este é o caminho que sozinhos trilhamos
 
Estamos cegos pelo prazer
O silêncio nos ensurdeceu
Quantos corações deixaram de bater?
Uma mente já esqueceu
 
Somos os bastardos e retardados
Desse admirável mundo justo
Somos os corações quebrados
De um sistema que valoriza o custo
 
Deixamos transparecer demais nossa insônia
Nos rendemos aos efeitos da narcolepsia
Permaneceremos nessa tremenda amnésia
Até que ela evolua para esquizofrenia
 
Onde estamos de fato?
O que fizemos realmente?
Qual livro terá nosso relato?
Poderei dizer que sou valente?
 
Somos apenas idiotas
Palhaços demagogos e sonhadores
E até que tomemos nota
Estaremos sufocados por nossos temores.

(Nós não precisamos dessa educação!
Nós somos a minoria!
Não queremos essa hipocrisia!
Não precisamos do seu perdão!)
 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Anomalia de Maré; por J. F. Lisboa


 
Meus gritos estão estridentes
Misturados com profundos resfôlegos
Eles escapam pelos meus trincados dentes
E soam como ardentes suspiros sôfregos
 
Meu espírito está desgovernado
Minha cabeça vive perturbada
Entrei em um trem descarrilhado
Infiltrado no inferno, perdi a parada
 
Apostei minha vida em você
Tudo que toco torna-se ouro
Onde meus demônios irão se esconder?
Em minhas veias só há agouro
 
Assim como a minha família esquecida
Dez anos se vão tão depressa
Eu estou retornando a minha casa perdida
O bom filho ao lar regressa
 
Aqui é onde meu coração sempre esteve
E, apesar, de ter agido como um carrasco
Ele foi o único que me manteve
Quando todos sentiam asco
 
Nada aproveitei de minha vida
Acreditando em contos de fada
Por mais longa que seja a ida
Breve é a volta, mas conturbada.

Norte Afônico; por J. F. Lisboa

John Lennon
 
Para muito distante
Ora morena, ora ruiva
Tantas vozes a cada instante
Caindo sobre mim como chuva
 
Eu também poderia cair
Cair de cabeça em amor
As rosas do mundo podem sumir
Mas nunca um sentimento incolor
 
Paixão, quem diria outra vez
Convulsão de compulsões roucas
Já não  pulsei por isso este mês?
Perturbam-me memórias tão poucas
 
Nações e povos há muito ruíram
Por esse indistinto sentimento
Mil muralhas já se ergueram
Pela sua ausência, consequente sofrimento
 
Então fale com a minha alma
Junte-se a minha antiga caverna
Seja, na tempestade, a minha calma
Seja, em minha vida, uma alegria eterna
 
Já passou-se uma eternidade
E a essência jamais mudou
Sei que estou fora da realidade
E é mentira a história de amor
 
Mas só peço uma vez, uma vez mais
Fique comigo neste frio leito
Minha razão em sua palma se desfaz
Coração vadio foge de meu peito